quinta-feira, 26 de julho de 2012

O homem que tinha uma história, mas não conseguia contá-la

Estive quase para deixar-vos apenas com uma foto e não escrever nada hoje.

Mas depois lembrei-me:

Era uma vez um homem que tinha uma história, mas não conseguia contá-la.

Já tinha tentado de várias maneiras, mas sempre que se esforçava por dizer ou escrever as palavras que a compunham, elas recusavam-se a sair da sua cabeça.

O homem que tinha uma história ficava horas sentado em frente ao ecrã do computador ou de lápis apoiado no caderno aberto sem conseguir escrever uma única palavra. Ao fim de alguns minutos a olhar para o cursor a piscar ou para o vácuo infinito de uma folha em branco, os seus olhos deixavam de focar e a sua mente ficava igualmente vazia.

- És feliz? - Perguntou um amigo a quem o homem tinha explicado o seu problema.

- Feliz? Sim, acho que sou. Porquê?

- Então? Nunca ouviste dizer que as pessoas felizes não têm histórias para contar? Se calhar o que precisas é de ser um bocadinho triste. Sabes, essa coisa da felicidade é muito sobrevalorizada.

- Bom, a verdade é que já me afeiçoei bastante à minha... - Respondeu o homem com alguma hesitação - Além disso, o problema é que eu tenho mesmo uma história para contar. Só que ela não sai cá para fora. É como se tivesse uma vozinha na minha cabeça a dizer "Nã, nã. Daqui não saio, daqui ninguém me tira".

- Hm... Então o caso é bicudo... Já experimentaste falar com ela?

- Com quem?

- Com a história.

- Falar com a hist...

- Exacto. Se tens vozes na cabeça, parece-me que o melhor é dialogares com elas. "Tudo é possível através do diálogo", já dizia a minha avó.

A ideia parecia absurda, mas que escolha tinha o homem que tinha uma história? Umas horas mais tarde, quando chegou a casa, sentou-se no sofá da sala durante um bocadinho e esperou um pouco até ganhar coragem para falar com a sua própria cabeça.

- Er... História? - Perguntou ao vazio entre paredes - Estás aí?

- Estou, estou. 'Qué que queres, pá? - Respondeu uma voz vinda de lado nenhum.

- Ah! Xiça!... - Gritou o homem, assustado por uma resposta que não esperava ouvir - Desta não estava à espera...

- Sim, sim. Vá, desembucha lá. Qué que foi?

- Bom... er... sabes... bem, queria... queria perguntar-te porque é que não te deixas ser contada.

- Oh. Porque não me apetece. Sei lá.... Olha, porque preferia ser um épico! Preferia ser um livro de quinhentas páginas, com batalhas espectaculares, um romance escaldante, actos imensamente heróicos e mortes trágicas capazes de fazer chorar o Darth Vader ou a Angela Merkel.

- Mas assim deixavas de ser tu. Se eu escrever um épico, já não te escrevo a ti.

- Pois, está bem. Mas porque é que não escreves como o Tolstoi? Ou o Tolkien? Ou até como a Marion Zimmer Bradley?

- Mais uma vez, porque se o fizesse já não estaria a escrever-te a ti. E agora não quero escrever outra história. Vá lá, há tantas histórias curtas maravilhosas. Olha, os "Contos dos Subúrbios" do Shaun Tan, por exemplo. Há poucas coisas melhores do que aquilo.

- Prontos, tá bem. Tens razão. Estava só a sentir-me um bocadinho insegura. Vamos lá então.

Depois desta conversa, o homem que tinha uma história para contar sentou-se à secretária e contou a história que tinha para contar. Era uma história pequena, com pouco menos de duas páginas, mas o homem que tinha contado uma história estava contente.


Muitas pessoas leram o que ele escreveu. Umas gostaram, outras nem por isso. Mas, para as pessoas que gostaram, a extensão diminuta da história era perfeita, porque assim era mais fácil contá-la a outras pessoas que por sua vez contavam a outras. E a outras. E a outras.

Vários anos mais tarde, um velhinho sentou-se nas escadas do jardim (como fazia todos os dias) para contar uma história aos miúdos que por lá passavam. Desta vez, escolheu uma história chamada "O homem que tinha uma história, mas não conseguia contá-la".

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